A violência não é justificável em (quase) nenhuma circunstância. Quando o homem proferiu um insulto ao invés de jogar uma pedra, fundou a civilização, já disse Freud.
Mas não é mais escândalo nenhum afirmar a precarização em que o discurso capitalista lança esses laços, reduzindo a palavra ao cinismo e o corpo a só mais um objeto de consumo.
Hollywood, queiram ou não seus agentes, é uma das peças dessa engrenagem. Nos últimos anos foi se revelando a misoginia e o racismo que grassam atrás das câmeras e que revela-se também nas premiações do Oscar, etc.
Assustados com o que viram, os organizadores trataram de enfrentar o problema pela via identitária- o que há algum tempo já se reflete na premiação do Oscar.
A cerimônia de ontem seguia a risca o figurino: negros, mulheres, latinos, LGBTs, todos representados nas obras indicadas, na organização do evento e na plateia. Que bom, poderíamos dizer! Hollywood está mudando.
Mas logo na abertura uma coisa chama a atenção. Como num filme de David Linch, tem algo muito estranho quando a lente se aproxima. Amy Schumer, Wonda Sykes e Regina Hall fazem a fala inicial. As duas apresentadoras negras, dizem que estão ali representando as mulheres negras no cinema. A outra, branca, responde: “e eu estou aqui representando as brancas que ligam pra polícia quando vocês estão falando alto demais”. A plateia ri. Em seguida, elas se dirigem a um homem branco de meia idade sentado na plateia dizendo: você viu o fulano? Está acabado ele, né ? Ao que a outra responde algo como: “eu ainda pegava”.
E segue o show de horrores com acusações de incesto aos irmãos Gyllenhall, de promiscuidade a Di Caprio e outras piadas de péssimo gosto ao longo de toda a cerimônia, tudo bem recheado de auto e hetero agressividade.
Até o momento em que Chris Rock faz mais uma dessas piadas terríveis , dessa vez sobre a falta de cabelos da de mulher de Will Smith, que levantou foi até o palco e esbofeteou o apresentador.
A essa altura, como tem sido frequente no contexto atual, ninguém sabia mais o que era piada e o que era realidade. Infelizmente parece que não foi cena.
Lamentável a atitude, mas
não acho que Will seja um imbecil ou uma vítima do machismo. Ele só atuou o que a cerimônia estava a todo todo tempo pedindo.
A lógica, apesar de montada em enunciados de inclusão, está sustentada numa enunciação que é a do ódio ao gozo (imaginado como do Outro, sem saber que é do próprio corpo que se trata).
Não podia dar mesmo noutra coisa.
Provavelmente nem mesmo Will sabe porque agiu assim, mas, sem ter lugar para localizar a falta, o que emerge é o mais-de-gozar em sua face odiosa e que, na falta de recursos simbólicos, passa ao ato.
Will Smith interpretou Hollywood … ainda bem que foi só um tapa. Podia ter sido bem pior.