terça-feira, 10 de julho de 2012

Teresa e a Praia



Rio de janeiro, patrimônio da humanidade, eleito por suas belezas estonteantes. Já haviam me falado, mas ainda não tinha tido a chance de experimentar os efeitos que aquelas imagens provocam sobre a retina de quem vê. A situação em que me encontro é, no mínimo, inquietante. Estou por lá a trabalho e, diga-se de passagem, um trabalho como nenhum outro. Trabalho em sua dimensão de produção, mas também trabalho do inconsciente. Intenso. No fim do dia a saída do local onde estou dá acesso privilegiado à praia de Copacabana. Posto seis da princesinha do mar. Não tive tempo de ver muita coisa, assim mesmo de roupa de trabalho fui até a praia e fiz uma foto (pelo menos mostrar que estive lá!). Em conversa com um amigo digo:
- aquele mar lindo ali fora e eu trabalhando. Mas fazer o que, se eu gosto!
- Do mar ou do trabalho? Pergunta ele.
- Dos dois, respondo. E penso comigo mesma: feliz do pescador que trabalha no mar!
Mas, moto-contínuo, lembro de Caimy, com sua voz lânguida, a falar das vicissitudes do pescador, aquele que tem dois amor. O pescador deseja, e no seu desejo se divide entre dois bens. Será que se angustia quando, em alto mar, pensa nas firmezas que o bem da terra poderia lhe trazer? Suspeito que, quando muito tempo aportado, acorda sobressaltado no meio da noite com sonhos de sereias, areias, alheias, do bem do mar. Desígnios insondáveis que atingem todo aquele que precisa recorrer á palavra para se dizer.
Li em algum lugar que a indecisão não é quando se duvida do que se quer. Ao contrário, eh quando se tem certeza do que se quer, mas pensa-se que deveria querer outra coisa. É uma forma bem humorada de colocar a questão, mas acho que insatisfatória. Porque o desejo não é a indecisão entre o que se quer e o que não se quer. O que não se quer não se cogita. Nem entra na história. O desejo é o paradoxo entre aquilo que se quer e aquilo que se quer, as duas causas em questão confrontando-se mutuamente. Duas faces de uma moeda condenada a ser apenas metade. Não existe a opção de juntar as duas parte e formar o um. Meia moeda, é o que lhe cabe, e é melhor saber fazer alguma coisa com ela.
Dias depois, ainda nas minhas andanças pelo Rio, conheci Santa Teresa e confesso que ela me encantou ainda mais. A princípio acredita-se estar apenas em mais um bairro. Não é preciso sair da cidade, dobra-se uma esquina e chega-se a Santa Teresa. Ali se trabalha, se mora, se vive, como em qualquer outro lugar. Mas essa simplicidade é enganadora. É todo um outro mundo que se revela a cada curva: a arte, o movimento de contracultura, a rebeldia, a criação, vão transpirando por seus paralelepípedos. O clima começa mudar com cara de montanha. Pequenos recantos escondem cheiros saborosos.
Ao contrário da beleza escandalosa de Copacabana, Santa Teresa é discreta e não se despe de um só golpe. Vai se insinuando ladeira acima, com curvas malemolentes, escondendo segredos atrás de portas entreabertas. Teresa, como toda mulher, não tem nada de santa. Sabe que a beleza vela e aponta para o indizível e, assim, precisa usar de disfarces.
A medida que vamos subindo, somos completamente tomados por seu feitiço até que, no topo de um castelo em ruínas o improvável acontece: abre-se, numa vista panorâmica, aquele cartão postal: praia, corcovado, cristo e tudo mais ali...aos nossos pés. Teresa agora é da praia, não é de ninguém, mas encena uma fantasia que nos faz acreditar sermos os amantes que sobre ela deitam seus olhos. 
Volto de lá com a impressão de que posso aprender algo com ela, algo sobre os "paradoxos do desejo"!

2 comentários:

  1. Realmente um belo texto. Belas imagens, idéias intrigantes. Teresa é uma surpresa discreta que se impõe sincera sobre a superfície espetacularmente maravilhosa do Rio. Lá vi gente e cidade no meio do frio do mundo.
    Seus desejos escritos, Lia, são tão belos, que ainda presentificam a falta. Senti falta. Os arcos, a noite, a malandragem, as profundezas do povo. Talvez moedas possam estar divididas em muito mais que duas partes... Cheirim.

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    1. Que bom que você gostou, que bom que ficou a falta.... tenho certeza que ela lhe permitiu colocar dentro do texto muitas memórias lindas..rs.
      Mas o mote do texto na verdade é a feminilidade contrastante dessas duas "santas"...Além do mais, o rio é lindo demais pra caber num só texto..beijim Paiva

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