sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Está oficialmente decretado o fim do mundo


Todo mundo já sabia, o mundo acabou faz tempo. Nos últimos anos acabaram-se várias conquistas democráticas, acabou-se o prazer ingênuo de tomar um chopp na calçada, de encontrar os amigos sem culpa. Acabou-se o dinheiro de papel, a comida no restaurante, as aulas presenciais. Acabou-se a mídia impressa, o jornal das oito, a campanha política com santinho. 
 
Nem todas essas coisas vão fazer falta, algumas já vão tarde, na verdade. Mas hoje, a morte de Elza Soares materializou simbolicamente esse sentimento de luto.  Ela que disse que ia cantar até o fim, se calou. E o fim do mundo chegou. “It's the end of the world as we know it”… como diz outra canção.

Mas Elza também foi a mulher que enfrentou a pobreza, a discriminação, a violência e.. renasceu, recriou-se. Como uma espécie de Benjamin Button, rejuvenesceu a medida que os anos se passavam. Incorporou o rap ao samba e nos surpreendeu com uma música fresca, jovem e ao mesmo tempo, com um tempero de maturidade. Quando gravou o álbum “A Mulher do fim do mundo” obviamente já sabia que o fim estava próximo.. mas era tanta força , tanto desejo, que ela esticou ainda uns anos. E no dia do show homônimo ela tava lá, sentada numa cadeira de rainha. Um corpo já quase morto, não ficava mais de pé. Mas quando abriu a boca se via que ele era habitado por um sujeito cheio de desejo, insistindo em viver. E ela botou pra fuder! Aquela voz parecia saindo do centro da terra como um vulcão. Muita emoção…
 
Beleza, mana. Fica com Deus!.. a gente que continua fica com a responsa de inventar outro mundo e nele vai ter uma pedrinha do que você nos deixou.

Lia Silveira