domingo, 15 de setembro de 2013

As Aventuras de Lacan com Saussure no País do Inconsciente



“Insetos não me agradam”, Alice explicou, “porque tenho bastante medo deles... pelo menos dos grandes. Mas posso lhe dizer os nomes de alguns.”
“Claro que eles atendem pelo nome, não é?” o Mosquito comentou irrefletidamente.
“Nunca soube que o fizessem.”
“De que serve eles terem nomes”, disse o Mosquito, “se não atendem por eles?”
“Não servem de nada para eles”, disse Alice, “mas é útil para as pessoas que lhes dão nomes, suponho. Senão, para que afinal as coisas têm nome?” 
(Alice Através do Espelho) 


É com enorme satisfação que recebo o convite para falar num encontro histórico que homenageia os 100 anos de morte de Ferdinand de Saussure, principalmente pela possibilidade de estabelecer um diálogo com pessoas de um campo diferente do meu. Acredito que isso é sempre muito rico, pois coloca em jogo uma heterogeneidade que nos permite antever algo de nossas próprias costas, assim como voltar para o lugar de onde viemos um pouco mais arejados pelo ar da diferença. Fugimos assim de nos acomodarmos a um lugar confortável, onde achamos que todos pensam igual, mas que nos lança nos riscos dos sectarismos fundamentalistas, hoje estão mais vivos que nunca . Agradeço portanto ao Grupo de Estudos Bakhtinianos do Ceará (GEBACE) e Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Pragmática (NIPRA) na pessoa do professor João Batista Gonçalves.
O lugar de onde venho falar aqui é o da psicanálise e isso já demarca uma especificidade do que vou falar e que, por usa, vez, demarca também a especificidade da apropriação que Lacan faz da linguística sassureana. Várias críticas foram feitas à maneira completamente subversiva com que Lacan se apropriou da linguística estruturalista, mas elas só se colocam na medida em que se desconhece que há uma distinção entre os campos que estão aí em jogo: enquanto que o objeto da linguística é o dos desdobramentos da linguagem humana, a psicanálise tem por objeto o inconsciente.
A linguagem que lhe interessa, portanto, é, nas palavras de Lacan, a linguagem do desejo. E se Lacan se apropria de alguns fundamentos da linguística, é na medida em que ela vai fornecer as ferramentas necessárias para empreender o que ele chamou de “retorno à Freud”. Ocorre que, na época em que Lacan se aproxima da psicanálise, havia prosperado uma certa leitura da obra freudiana que tendia e enfatizava as relações do ego com a realidade, resvalando para uma abordagem claramente adaptativa. Os conceitos mais subversivos apontados por Freud e que fizeram da psicanálise um campo do saber que rompe com a medicina e com a psicologia haviam sido completamente desprezados. Assim, o conceito de pulsão, as elaborações sobre a sexualidade infantil e até o próprio conceito de inconsciente perdem espaço para discussões acerca dos mecanismos de defesa do ego, da ênfase na chamada “parte sadia da personalidade” e da intervenção do analista a partir de seu próprio Eu, considerado mais forte que o do analisando. É contra esse estado de coisas que Lacan vai se colocar ao tomar a linguística estruturalista como lente para reler a obra de Freud. Ao final dessa fala pretendo leva-los a entrever o quão longe essa empreitada o levou, para além dos limites da estrutura, inclusive.
Intitulei minha fala nesse evento de “As Aventuras de Lacan com Saussure no País do Inconsciente”. Inicialmente a inspiração em Carroll veio de maneira despretensiosa, apenas a partir da associação livre que minha releitura do texto de Freud sobre o inconsciente foi provocando. No entanto, como toda associação livre não é tão livre assim, acabei me defrontando com um texto de Lacan intitulado “Homenagem a Lewis Carroll” e que, vim saber depois, foi transcrito a partir de uma fala proferida por ele numa intervenção radiofônica transmitida pela France Culture em 31 de Dezembro de 1966 num programa que marcava a comemoração dos cem anos de publicação de “Alice no país das Maravilhas”. É curioso também que esse programa foi reprisado por ocasião dos cem anos de morte de Lewis Carroll, em 1998, não sem que antes tenha sido cortada exatamente a intervenção de Lacan. Pego essas informações de um texto de autoria de Sophie Marret (2003) onde a mesma também afirma que os críticos da obra carrolliana até hoje ignoraram completamente essa intervenção de Lacan sobre o autor, provavelmente por centrarem sua teses na dimensão dos significados da obra, enquanto que o psicanalista francês se interessou pelo que havia aí do significante em articulação com o real impossível.
Sendo assim, achei ainda mais justificada a referência à Carroll na minha proposta, tendo em vista que mais uma vez estamos diante de um centenário, dessa vez homenageando aquele que deu à Lacan a possibilidade de entrever essa dimensão simbólica e reinventar a psicanálise. Além disso, estamos diante de um público voltado às letras e à literatura e isso me dá a chance de também homenagear Lacan, reintroduzindo de alguma maneira esse seu texto “esquecido”. 
Freud e Saussure foram contemporâneos e, embora não haja registros de que tenham entrado em contato com as teses um do outro, estavam trabalhando em torno de algo que tinha muito em comum. Ambos situam-se como homens do século XIX, mas com um espírito muito mais projetado para o século XX. Ambos influenciariam sobremaneira tudo o que se vai formular sobre o homem no século vindouro. O ponto em comum entre esses dois homens vai ser, cada um a seu modo, o interesse pela linguagem.
Sigmund Freud inicia seus trabalhos como neurologista. Mais tarde, em parceria com Josef Breuer, vai se interessar pelo estudo das manifestações histéricas à partir do método da hipnose. As pacientes, frequentemente do sexo feminino, apresentavam sintomas para os quais não se encontravam nenhuma base orgânica. Os médicos vienenses descobriram que, ao falar sob hipnose de situações traumáticas relacionadas de alguma forma a seus sintomas, essas pacientes obtinham uma melhora significativa.
 Freud viu aí o nascimento de algo novo para a medicina, mas não se deu por satisfeito com o novo método de tratamento. Primeiro, porque a remissão  dos sintomas era temporária. Era como se, ao acordarem, as mulheres não conseguissem integrar na consciência o que tinham falado sob hipnose. Segundo por que, dizem as más línguas, Freud era um péssimo hipnotizador. Em meio a essas dificuldades, ele começa a tentar outras técnicas para fazer a paciente falar em estado de vigília. Tenta operar a partir da sugestão dizendo coisas como: “quando eu retirar a mão de sua testa você vai falar sobre..”. 
Até que um dia ele encontra uma paciente “impaciente” que lhe diz: “Cale a boca e me deixe falar!” A genialidade de Freud foi que ele, não só se calou, como ouviu o que ela tinha a dizer. Nascia aí a “Taking Cure” ou cura pela fala, que esta paciente definia como “limpeza da chaminé”.
Pela fala alguma coisa se limpava, desentupia, caía. A proposta de método adotada por Freud á partir daí (e adotada pela psicanálise até hoje) foi o que ele chamou de “associação livre”.  O paciente é convidado a dizer tudo que lhe vier à cabeça naquele momento sem filtro moral ou censura de qualquer ordem.
Freud chega a apontar que para um leigo parece até que se trata de uma mágica! Palavras, palavras, palavras...como diz o personagem shakesperiano, como elas podem ter o poder de intervir sobre o corpo, varrendo sintomas?
Com Lacan, em seu diálogo com Saussure e outros autores estruturalistas como Levi-Strauss, encontramos as bases para ler em Freud uma explicação lógica para o funcionamento do inconsciente, a formação do sintoma e da incidência da análise sobre este último, que se afasta de qualquer espécie de magia ou misticismo. Falar incide sobre o sintoma porque, como formação do inconsciente, este é feito da mesma materialidade que a fala[2]. Essa materialidade é, para Lacan, aquela do significante:
"Nossa doutrina do significante está fundada no fato de que o inconsciente tem a estrutura radical da linguagem, que um material que aí está deve jogar de acordo com leis que são aquelas descobertas pelo estudo das línguas positivas, das línguas que são ou que foram efetivamente faladas." (Direção do tratamento, Écrits, p. 594)
Daí a formulação do seu famoso aforisma: “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”. Ser estruturado como uma linguagem quer dizer que o inconsciente não é apenas um depósito inerte de memórias esquecidas. Trata-se, na verdade, de uma outra razão, organizada como um sistema, regida por leis próprias que são aquelas do significante e que tem seu paradigma nos mecanismos da metáfora e da metonímia.
No texto “A instância da letra no Inconsciente ou a Razão desde Freud” encontramos explanada a apropriação que Lacan faz da linguística saussureana, a partir do signo linguístico. Nesse texto, Lacan rende homenagens ao mestre genebrino, mas sua homenagem já é quase um assassinato[3], já que ele atribui à Saussure uma formulação do algoritmo do signo linguístico que não se encontra, como ele mesmo diz, em nenhuma das diversas aulas do “Curso de linguística Geral”: “significante sobre significado, correspondendo o “sobre” à barra que separa às duas etapas.” (Instância da letra, p.500) 
Então, se estão lembrados o signo saussureano é composto inversamente pelo significado (conceito) sobre o significante (imagem acústica), onde eles se encontram intimamente unidos e um reclama o outro. Além disso, Saussure atribui ao signo as características da arbitrariedade e da linearidade. A primeira afirma que a escolha do significante é imotivada, não tem com o mesmo nenhum laço natural na realidade. A segunda, a característica da linearidade, afirma que os significantes se dispõem na linha do tempo, seus elementos se apresentam um após o outro, formando uma cadeia.  Lacan vai também vai introduzir modificações e variações na maneira de compreender estes postulados do signo linguístico em Saussure.
Mas então, o que autoriza o psicanalista a se apropriar da teoria de um autor tão influente como Saussure, subvertendo-a desta maneira? Será apenas incoerência, anarquismo teórico, uma espécie de vale-tudo ou um simples descaso pelas formulações do autor?
No meu ponto de vista não se trata de nada disso. Ocorre que como ressaltamos anteriormente, estamos adentrando num outro terreno. Enquanto que a linguística estruturalista lida com as relações humanas no plano da consciência (onde prevalecem o princípio de realidade, com as regras lógicas que exigem ao pensamento se organizar em torno de significados), o que vai interessar à Lacan está relacionado à uma outra cena, aquela que Freud identificou como o inconsciente. Trata-se de dois registros diferentes, duas “linguagens” que, apesar de operarem com os mesmos elementos, seguem regras diferentes. Como diz Alice, há toda uma lógica diferente para além do espelho, onde as coisas mudam de lugar e o Jaberwocky (ou Pargarávio, como foi traduzido no português), apesar de não ter sentido algum, produz um efeito de significação:
Solumbrava, e os lubriciosos touvos
Em vertigiros persondavam as verdentes;
Trisciturnos calavam-se os gaiolouvos
E os porverdidos estriguilavam fientes.”
Efeito este que aponta para um impossível, ou na fala de Alice: “De todo modo, alguém matou alguma coisa: isto está claro, pelo menos.”
Entre a linguagem e a morte, desde Freud temos que considerar que há, de saída, uma divisão estrutural do sujeito, acarretada pela entrada deste na cultura, ou em termos lacanianos, pela entrada na linguagem. Este sujeito, não existe desde o momento em que nascemos. Ele se estrutura  incialmente se alienando ao outro materno, aos seus cuidados, seu toque e suas palavras.
Antes mesmo de nascer, todos nós já temos um lugar reservado na linguagem que nos antecede. São histórias que se contam de geração em geração, o nome que os pais escolhem e os planejamentos que esses fazem para o futuro filho. Tudo isso nos antecede e delimita, de certa forma, o mundo no qual iremos chegar. Além disso, chegamos para esta jornada ainda muito despreparados, desprovidos das ferramentas que precisamos para sobreviver. Em meio a nossa luta pela sobrevivência, é nesse outro que vamos buscar os significantes com que nomeamos nossa fome, nossa sede, nosso medo e... nosso desejo. Sendo assim, podemos afirmar com Lacan, que nascemos alienados a tudo isto que nos precede, a isto que ele deu o nome de ‘Outro’.
O Outro, com letra maiúscula diz respeito à linguagem, ao lugar onde existem os significantes dos quais nos apropriamos para nomear o mundo e as nossas experiências. Escrevemos “Outro” com letra maiúscula para diferenciar do “outro”, pessoas com as quais nos relacionamos, são os nosso pares, são aqueles com quem nos identificamos pois são como nós.
É deste suposto grande Outro que a criança recebe, desde antes de seu nascimento, o seu nome, o nome das coisas, o nome do que sente. O bebê que chora não sabe nomear o que sente, quem nomeia é este Outro, que tudo sabe. Sem essa referência ao Outro da linguagem seríamos como Alice ao entrar no bosque “onde as coisas não tem nome”:
“Esse deve ser o bosque disse pensativamente, em que as coisas não tem nomes. O que vai ser do meu nome quando eu entrar nele?” (p. 199)
O desejo de ter um filho (ou de qualquer outra coisa que venha nesse lugar), vem antes mesmo desta criança existir, junto com as expectativas, da escolha do nome, da profissão que a criança terá, de como ela será criada, são desejos e significantes que dão forma ao bebê.
Porém, quem quer que tenha acolhido esta criança em seu desejo, precisa estar voltada também para algo que se situe além do bebê, apontando que essa relação mãe e filho não basta para satisfazê-la. Ao apontar para o filho que tem outros interesses, a mãe se situa também como mulher e, como tal, um ser desejante. A criança percebe que a este Outro também falta algo, que ele não pode tudo, não vê tudo e não pode nomear tudo. Nessas idas e vindas o sujeito percebe que a mãe não é completa, que a ela também faltam coisas que busca alcançar. Esse ponto fraco aparece justamente porque o Outro também tem que recorrer à linguagem, impossível de dizer tudo.
Nesse lacuna que se abre, marcada pela falta no Outro é que o sujeito vai passar a se perguntar sobre o desejo: o que esse outro quer? E mais, o que ele quer de mim? É frente a esse pergunta feita ao Outro que o sujeito vai se escrever como resposta.
"Quem é você?", perguntou a Lagarta.
Não era uma maneira encorajadora de iniciar uma conversa. Alice retrucou, bastante timidamente: "Eu - eu não sei muito bem, Senhora, no presente momento - pelo menos eu sei quem eu era quando levantei esta manhã, mas acho que tenho mudado muitas vezes desde então.
"O que você quer dizer com isso?", perguntou a Lagarta severamente. "Explique-se!"
"Eu não posso explicar-me, eu receio, Senhora", respondeu Alice, "porque eu não sou eu mesma, vê?"
.
Existem maneiras diversas de responder a esse encontro com o desejo do Outro e é essa resposta que vai determinar o modo como esse sujeito vai se estruturar. Na estrutura neurótica esse encontro é recalcado, com a consequente divisão do sujeito[4]. Segundo Quinet, Freud formula a subjetividade humana em conflito, a divisão do sujeito entre o que ele quer inconscientemente e o que ele conscientemente não quer ou ignora que quer. (Quinet, p. 23)
Nesse encontro com a falta no Outro, emerge algo que não pode ser tolerado pela consciência. O conceito freudiano de recalque vai se fundamentar na constatação de que, nesse momento, há uma separação entre a “ideia” e aquilo que a “representa”. Esses são termos freudianos! Estão publicados num texto de 1915. Se aproximarmos aí ideia, conceito, significado de um lado e representante, significante, de outro, vemos ai o quanto ele e Saussure estavam de alguma maneira próximos, embora nem se conhecessem.  
Então, o que que acontece no recalque? Ocorre a tentativa de impedir que essa ideia insuportável se torne consciente. Há portanto a instauração de uma barra quase intransponível entre significante e significado. Daí uma primeira consideração sobre a apropriação do signo linguístico por Lacan, que é o reforçamento da barra que compõe o algoritmo saussureano, atribuindo à mesma um caráter de resistência à significação.
“Dizemos então que se acha em estado de “inconsciente”, e podemos oferecer boas provas de que também inconscientemente ela pode produzir efeitos, inclusive aqueles que afinal atingem a consciência”. (Freud, o Inconsciente, 1915)
Então, o material recalcado, tornado inconsciente, não é inerte. Ele opera, produzindo efeitos com características diferentes daquelas que encontramos na consciência. Que características são essas? Vou retomar aqui um trecho do texto “O Inconsciente”:
“O âmago do Ics consiste de representantes pulsionais, que querem descarregar seu investimento, de impulsos de desejo, portanto. Esses impulsos pulsionais são coordenados entre si, coexistem sem influência mútua, não contradizem uns aos outros. (...)
Nesse sistema não há negação, não há dúvida nem graus de certeza. Tudo isso é trazido apenas pelo trabalho da censura entre Ics e Pcs. A negação é um substituto da repressão em nível mais alto. No Ics existem apenas conteúdos mais ou menos fortemente investidos.
Há uma mobilidade bem maior das intensidades de investimento. Pelo processo de deslocamento uma ideia pode ceder a outra todo o seu montante de investimento, pelo de condensação pode acolher todo o investimento de várias outras. Propus enxergar nesses dois processos indícios do assim chamado processo psíquico primário. (...)
Os processos do sistema Ics são atemporais, isto é, não são ordenados temporalmente, não são alterados pela passagem do tempo, não têm relação nenhuma com o tempo. (...)
Os processos do Ics tampouco levam em consideração a realidade. São sujeitos ao princípio do prazer; seu destino depende apenas de sua intensidade e de cumprirem ou não as exigências da regulação prazer-desprazer.
Vamos resumir: ausência de contradição, processo primário (mobilidade dos investimentos), atemporalidade e substituição da realidade externa pela psíquica são as características que podemos esperar encontrar nos processos do sistema Ics.”
Tracemos agora um comparativo entre as características do inconsciente tal como apresentadas por Freud neste texto e as modificações introduzidas por Lacan no signo linguístico.
Em primeiro lugar, percebemos que no plano inconsciente o que temos são representantes pulsionais que querem descarregar seu investimento, impulsos de desejo, Freud vai dizer. Com Lacan podemos dizer que estamos no plano da articulação de significantes e a exigência de satisfação pulsional. Nesse ponto, vou ter que me arriscar a jogar - de maneira um pouco imprudente - um conceito freudiano fundamental que é o conceito de pulsão. A pulsão como conceito limite entre o psíquico e o somático é o que, segundo Freud, se diferencia do instinto dos animais, por ser sempre parcial e por ser uma força constante em busca de satisfação. Embora nenhum objeto possa realmente satisfazê-la, no sentido de anulá-la, a pulsão não cessa de pressionar por satisfação. Então, no recalque, não é pelo fato de pertencer à dimensão inconsciente, que se resolve a pressão por satisfação de uma ideia investida libidinalmente. Ela vai continuar buscando formas de se satisfazer. E, o inconsciente, é uma espécie de “País das Maravilhas” onde todo tipo de combinação é possível. Por mais absurdo que possa parecer uma lagarta falando, um sorriso sem gato, um coelho apressado... O absurdo e propriamente o reino do inconsciente, assim como o demonstram nossos sonhos.
Além disso, no inconsciente, não se trata de jogos de imagens. Embora os sonhos esteja repletos de formações imagéticas, é no relato do sonhador, ou seja, na sua articulação linguageira, que Freud vai buscar o material para a interpretação analítica. 
E porque? Porque no inconsciente a primazia é do significante, tomado em jogos de combinações malucas de forma a permitir a satisfação pulsional. Daí porque Lacan vai inverter o algoritmo, colocando o significante acima da barra.
“Você pode observar uma borboleteiga (butterfly). Suas asas são fatias finas de pão com manteiga, o corpo é de casca de pão, a cabeça é um torrão de açúcar. “
“E o que ela come?”
“Chá fraco com creme.”
Assim como em nossos sonhos, elementos podem se combinar criando seres estranhos, a partir, não de seu significado, um inseto, colorido, que voa, por exemplo, mas a partir de associações significantes, manteiga, pão, chá, creme.
Dissemos ainda que Lacan também vai introduzir variações nas características da arbitrariedade e da linearidade do signo. Então vejamos. Quanto à arbitrariedade, ele radicaliza. Para Lacan,  precisamos nos livrar da ilusão de que o significante atende à função de representar o significado, ou melhor dizendo, de que o significante tem que responder por sua existência a título de uma significação qualquer.  Daí sua afirmação no texto intitulado “A Instância da letra no Inconsciente, ou a razão desde Freud” que “nenhuma significação se sustenta a não ser pela remissão a uma outra significação” (p.501). Nesse texto ele toma o exemplo clássico do algoritmo saussureano onde temos o conceito de árvore com sua respectiva imagem acústica. Essa não é necessariamente a ideia que criamos ao ouvir o significante árvore. Basta, como ele diz, plantar essa árvore na locução “trepar na árvore”, para jogar aí um toque de malícia que deixa entrever a dimensão do sexual para a qual aponta o inconsciente.  
Quanto a linearidade do significante, Lacan também vai pontuar diferenças em relação à afirmação de Saussure. Mais uma vez em função da particularidade do inconsciente. Para Saussure, a característica da linearidade se resume no fato de que os significantes “são diferentes entre si, limitados, independentes, sem variações. Ou pronunciamos ‘faca” ou pronunciamos ‘vaca’. Não existe um meio-termo entre /f/ e /v/, que são, deste modo unidades discretas, isto é, separáveis, descontínuas.” Essas unidades discretas tem que ser emitidas sucessivamente, não são co-existentes ou simultâneas. “Ao contrário, são sucessivas e, por isso, só podemos emitir um fonema de cada vez, em linha, ou melhor, linearmente” (Carvalho, 2003)
Para Lacan, a linearidade é necessária a constituição da cadeia do discurso, como afirma Saussure, no entanto, ela não é suficiente. Certamente ela se impõe na medida em que o discurso é ordenado no tempo,
“mas basta escutar a poesia, o que sem dúvida aconteceu com F. De Saussure, para que nela se faça ouvir uma polifonia e para que todo o discurso revele alinhar-se nas diversas pautas de uma partitura.”(Lacan, p. 507)
 E no inconsciente, uma nota que está numa linha qualquer da partitura não hesita em salta para outra linha, caso isso seja conveniente à dança da pulsão. Além disso, a pontuação dessa cadeia significante vai abrir possibilidades de encadeamentos outras:
“Não há cadeia significante, com efeito, que não sustente, como que apenso na pontuação de cada uma de sua unidades, tudo que se articula de contextos atestados na vertical, por assim dizer, deste ponto” (Lacan).
Quando um desses significantes consegue transpor a barra, temos aí um efeito de metáfora ou de metonímia, que vão caracterizar as leis de funcionamento do inconsciente.
Como afirmamos anteriormente, Freud já havia identificado que o inconsciente não segue as mesmas leis que  pensamento consciente. Mas, para além disso, ele descobre que os elementos significantes seguem ali outras leis, aquelas que ele chamou de condensação e deslocamento. Essas leis operam para fazer funcionar a possibilidade de investimento pulsional à despeito da barreira do recalque. É como se os elementos constitutivos das cadeias inconscientes precisassem se “disfarçar” para se manifestarem. Assim, o investimento de um significante passa facilmente a outro, seja por assonância, por ambiguidade ou contiguidade temporal, mas em qualquer um dos casos, sem nenhuma consideração pelo significado. E como então podemos reconhecer esse funcionamento do inconsciente? Freud afirma que podemos reconhece-lo em qualquer uma das chamadas formações do inconsciente: sonhos, chistes, atos falhos e sintomas.
No sonho, por exemplo, como a temporalidade não incide, temos o significante funcionando não pelo que possa significar, mas pelas possibilidades de condensação e deslocamento (ou metáfora e metonímia, como vai chamar Lacan, apontando para o caráter linguageiro desses mecanismos). A condensação ou metáfora ocorre quando
“duas representações dos pensamentos oníricos que tenham algo em comum, algum ponto de contato, são substituídas no conteúdo do sonho por uma representação composta, na qual um núcleo relativamente nítido retrata o que elas têm em comum, enquanto alguns detalhes colaterais indistintos correspondem aos aspectos em que elas diferem entre si.” (Freud, Interpretação dos sonhos).
É assim que, em um sonho podemos juntar características de duas pessoas diferentes que formam uma só. Na conversa de Alice com Humpty-Dumpty temos a fantástica criação das “palavras valise” que, como o próprio Humpty explica, é quando há dois sentidos embalados numa palavra só:
Solumbrava, e os lubriciosos touvos
Em vertigiros persondavam as verdentes;
Trisciturnos calvam-se os gaiolouvos
E os poverdidos estriguilavam fientes.”

Solumbrava: é aquela hora em que o sol vai baixando e as sombras se alongam.
Lubriciosos: significa lúbricos, que é a mesma coisa que escorregadios e operosos, ágeis.
Touvos: são parecidos com texugos...têm um pouco de lagartos...e lembram muito um saca-rolha.
 Vertigiro: é o giro extremamente rápido de uma verruma.
Persondar é perfurar prescutando
Verdentes: canteiros em volta dos relógios de sol
Trisciturno: triste, taciturno e noturnal (mais uma palavra-valise pra você)
Porverdidos: porcos verde que perderam  caminho de casa.
Estriguilar: é algo entre estridular, guinchar, cricrilar, estrilar e assobiar, com uma espécie de espirro no meio.
Claro que quando o Humpty decifra o sentido de uma palavra-valise, forçando-a a entrar na diacronia[5], faz com que ela perca muitos outros que poderiam advir na sincronia[6].
No deslocamento ou metonímia, o sonho pode tomar um detalhe de uma pessoa (um bigode ou a cor dos olhos, por exemplo, para remeter à outra). Trata-se do mecanismo que transfere as intensidades ligadas às representações de uma representação para outra.
Na conversa de Alice com a Tartaruga Falsa sobre a escola, por exemplo, por metonímia o nome das disciplinas cursadas se deslocam por outras relações que se estabelecem com o significante tartaruga:
“Não pude me dar ao luxo de estudar essa matéria”, disse a tartaruga Falsa com um sorriso “Só fiz o curso regular”
“E como era”, quis saber Alice.
“Lentura e Estrita, é claro, pra começar” respondeu a Tartaruga Falsa. “E depois os  diferentes ramos da Aritmética: Ambição, Subversão, Desemblezação e Distração”
“E o que mais tinham que estudar?” Disse Alice.
“Bem, tínhamos Histeria”, respondeu a Tartaruga Falsa, contando as matérias nas patas, “Histeria Antiga e moderna, com Marografia, depois Desdém...” (p. 113 e 114)

No sintoma também encontramos a metáfora que cifra uma mensagem que não poderia ser dita claramente tendo em vista que se trata de algo insuportável para a consciência. Assim, uma parte do corpo pode, na histeria, ser tomada como significante e vir na cadeia representando algo que não pôde ser colocado em palavras. (punhalada no coração, ter que engolir isso, não poder se manter em pé). Ou no caso da Neurose Obsessiva, onde o sintoma se forma a partir de uma ideia o mais distante possível na ideia recalcada, mas ainda pertencendo a mesma cadeia associativa.
O que está em jogo nos mecanismos da formação dos sintomas é uma evitação do desejo, tomado como impossível, pelo obsessivo, ou como insatisfeito, pela histérica, de qualquer maneira apontando para uma impotência do neurótico em alcançar o objeto que poderia satisfazê-lo. Ocorre que o de que se trata no desejo é da própria impossibilidade de encontrar um objeto que pudesse suturá-lo. O Desejo, desde Freud, é um vetor que aponta para uma experiência anterior, que só se inscreve como traço de experiência. O desejo, portanto, é metonímico, é sempre desejo de outra coisa. Seu objeto, por tanto, é perdido, e o que temos dele é apenas o rastro deixado pelas inscrições dos significantes. A estrutura, portanto não é completa, ela é perpassada por um furo, aquele que poderia responder elo desejo.
Voltamos então ao começo do deste texto, onde dissemos que a linguagem que interessa à Lacan é aquela do desejo. Ou seja, aquela com que cada sujeito vai tentar se fundar como tal, na sua relação com o vazio com que se depara na estrutura do Outro, com a impossibilidade de dizer tudo da linguagem e com o como se introduz para cada um sua relação com o real, com aquilo que fica fora da linguagem.
Finalmente, para nos despedirmos de Carroll, podemos nos perguntar sobre que real estava em jogo quando ele produziu Alice? Lacan nos adverte que não devemos buscar essa resposta na sua inclinação pela menina impúbere. “Mas na sua obra enquanto lugar eleito para demonstrar a verdadeira natureza da sublimação na obra de arte. Recuperação de um certo “objeto”... objeto impossível!




[1] Psicanalista, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. Professora da UECE.
[2] Há aqui e em outras partes do texto lacaniano, uma utlização dos termos linguagem, fala e língua  como quase sinônimos que certamente, não vai passar despercebida a um publico de linguistas. Esse é inclusive um dos pontos e crítica à apropriação lacaniana desta disciplina. Mas como não é o foco deste texto fazer as comparações entre as aproximações e distanciamentos de Lacan com a linguistica saussureana, sugiro a leitura do texto A abertura da estrutura: limite da aplicação da linguistica saussuriana à psicanálise de autoria (Sales, 2008)
[3] Não faço uso aqui do termo “assassinato” com uma conotação pejorativa, pois estou considerando que, em psicanálise, o assassinato do pai é a base para a invenção da cultura.
[4] Na psicose, o elemento traumático é foracluído, e retorna em forma de alucinações; na perversão, o sujeito se nega a reconhecer a falta no Outro, embora tenha registro dela.
[5] O eixo das sucessões, sobre os quais não se pode considerar mais do que uma coisa por vez, mas onde estão situadas todas as coisas do primeiro eixo com suas respectivas transformações."
[6] O eixo das simultaneidades, concernente às relações entre coisas coexistentes, de onde toda intervenção do tempo se exclui”

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O atendimento na clínica contemporânea

(Palestra proferida na Semana de Psicologia da Fanor, 2013)


Quando recebi o convite para falar sobre  " O atendimento na clínica contemporânea" pensei em como poderia organizar uma fala. Primeiramente, parti do significado das palavras "contemporâneo"e "clínica".
Contemporâneo - aquilo que é do mesmo tempo em que se fala.
Clínica - do grego Kliné , debruçar-se, atendimento junto ao leito. Em psicanálise, a clínica é o que se dá no encontro com o paicente, espaço de escuta.
Percebi que poderia tomar esse tema por duas vertentes diferentes, a partir de duas perguntas:
  • a primeira pergunta é se haveria uma especificidade do como se realiza a clinica na contemporaneidade;
  • A segunda, seria do ponto de vista do "com que lidamos" na clinica na contemporaneidade.
Vou me guiar então pela resposta que posso formular a essas duas questões.
Em primeiro lugar, é preciso destacar que, a clínica a qual me refiro, é a psicanalítica. E o que é a clinica psicanalítica? É aquela que nasce com Freud no início do século XX. 
É interessante ressaltar que, antes de Freud, ja havia a clinica. Com Foucault, no livro o nascimento da clinica, sabemos que a clinica moderna é a clinica anátomo-patologica, que identifica o sintoma a uma lesão nos tecidos e se pauta na observação. Esta clinica, pretende anular tudo que é subjetivo pois considera que esses elementos interferem na observação da doença que deve ser o mais objetiva possível.
A grande invenção freudiana foi ter se interessado por aquilo que não se encaixava nesse modelo. Por queixas que não apresentava base orgânica, mas que faziam sofrer as mulheres e lotavam Salpetrière. Ele se interessou em ouvi-las e ainda atribuiu um sentido ao que elas diziam. Não, elas não era fingidoras, elas tinham algo a dizer com seu sintoma. A partir de sua clinica ele desenvolveu as bases teórico metodológicas da psicanálise que sao,  por uma lado a metapsicologia (nos conceitos de inconsciente, desejo,  pulsão, repetição) e, por outro, a aplicação da regra de ouro que é a associação livre. 
Se tomarmos por esse viés, não haveria muito o que se falar de uma "clínica contemporânea", pois a psicanálise não só não se "atualizou" com o passar do tempo, como poderíamos dizer que essa fidelidade à suas bases que datam de longo tempo é, na verdade, a garantia de que ainda possamos chamar de psicanálise aquilo que fazemos.
Mesmo o grande inovador da psicanálise, que surge no cenário psicanalitico após a morte de Freud, Jacques Lacan, não cansou de afirmar que sua proposta não era a de uma "modernização" de Freud, mas a de um retorno às suas bases que, naquele tempo, ja andavam pra lá de esquecidas. 
Lacan vai apontar que, para que a piscanálise continue merecendo ser assim chamada, ela precisa preservar a lâmina cortante da verdade freudiana, que aponta para a realidade sexual do inconsciente e para o impossível que ela concerne. A política do analista é a política da falta, ele vai dizer. 
Dizer que a política da psicanálise é a política da falta, quer dizer que ali onde haja a pretensão de dar respostas, de completar, de fazer sentido, a psicanálise deve comparecer para sustentar o furo, o buraco, constitutivo de todo discurso.
A clinica psicanalítica do nosso tempo é, portanto, a boa e velha clinica de Freud. ele formulou que esse buraco e o mal-estar estar dele decorrente é constitutivo do ser falante. Formulou ainda que ele existe devido ao fato de estarmos na civilização - de estarmos na linguagem, dirá Lacan. A palavra é sempre insuficiente para nomear o mundo, nomear nossas experiências, nomear nossa angustia. Sobra sempre algum inominável que vai constituir esse furo. A psicanálise não vai buscar preencher o furo. Ela se orienta por sustentar aberto o buraco, sabendo que ele é mal- estar, mas é também constitutivo do sujeito e de seu desejo. Se, furo, não há desejo!
Essa estrutura é atemporal, portanto, nessa perspectiva, não há uma especificidade de uma clinica do nosso tempo . O que há é a clinica, conforme inventada por Freud.
Esso nos leva, então, à segunda questão: haveria uma contemporaneidade do "com que lidamos" na clinica psicanalítica?
Penso que ai podemos formular alguma coisa. Embora o "com que lidamos" seja desde Freud, com o sujeito e seu desejo,  as formações do inconsciente e o gozo da repetição mortífera que se apresenta no sintoma, acredito que podemos falar de uma contemporaneidade do "envoltório formal" desse sintoma. 
O mal-estar decorre da civilização. Mas certamente, a civilização não se estrutura nas mesmas bases que na época de Freud. Só para termos uma ideia dessas mudanças, em um texto como "A moral civilizada e doença nervosa moderna" Freud relaciona o adoecimento neurótico à repressão sexual promovida pela sociedade de seu tempo, com sua moral vitoriana. As histéricas adoeceriam porque, impedidas de terem relações sexuais, chegava ao casamento frígidas após anos de repressão, perdendo o caminho do acesso a sua sexualidade.(Estamos falando de um tempo onde as mulheres "supostamente" esperavam até os 19, 20 anos para casarem virgens).
Quem poderia sustentar uma tese dessas nos dias de hoje? Naquela época, perder a virgindade antes do casamento era quase uma sentença de envelhecer sozinha. Hoje em dia, as meninas de 14 anos vem ao consultório se queixar por ainda serem virgens quando suas colegas já tem vida sexual ativa. Alias, desde muito antes disso, as crianças ( que antes se supunha assexuadas) já são instigadas a se vestir como mulheres, dançar sensualmente, etc. Tudo muito distante da repressão sexual da época de Freud. pelo contrario, somos cobrados a gozar intensa e infinitamente. A sentença do nosso tempo é a do supereu: goza!
Sendo assim, diríamos que estamos menos neuróticos? Nada nos autoriza a fazer essa afirmação. Pelo contrário. Na clínica nos chega cada vez mais sujeitos desanimados, enlutados, entristecidos, desiludidos, desbussolados, desrorientados em relação ao seu desejo... E todos eles nomeados segundo a ciência, com o rotulo de "depressão". O que estaria por trás desse fenômeno? Somos todos deprimidos?
A questão por trás disso é o tal do furo. Na sociedade vitoriana tínhamos um outro a quem atribuir a interdição do nosso acesso ao gozo. O discurso da época dizia que não gozávamos suficientemente porque a igreja impedia, porque a sociedade proibia, porque a estrutura patriarcal se impunha. 
De lá pra cá, queimamos soutiens, inventamos a pílula, a mulher passou a ter papel fundamental na renda familiar (embora ainda receba menos que o homem pelo mesmo trabalho) e os nossos valores se tornaram bem menos proibitivos, quando não, se esvaíram por completo. E, principalmente, ciência tomou o lugar da religião como lugar de acesso a verdade.  
Ao contrario do discurso religioso que diz pra suportarmos melhor o buraco porque vamos ganhar uma vida plena no reino dos céus, a ciência vem para dizer que não precisamos perder tempo esperando (time is money), podemos ter uma vida plena aqui mesmo na terra. Podemos eliminar o sofrimento, o envelhecimento, as doenças e, quiçá, a morte. Basta para isso encontrarmos o produto certo. Antidepressivos, cirurgias plásticas, criogenia..isso vai às raias da loucura quando alguém chega a pagar para ter seu corpo congelado, apostado na descoberta da ressurreição.
O parceiro feliz desse discurso científico é o discurso capitalista. Ora, se para ter a vida plena, basta ter acesso ao produto certo, "nós estamos aqui para garanti-lo!", quase podemos ouvir o slogan dessa espécie de "Organizações Tabajara" generalizada. Se você se sente impotente, seus problemas acabaram! compre um carro gigante e tome viagra. A questão é que os objetos da produção capitalistas que se apresentam para tamponar o furo, não so não se sustentam nesse lugar, como, pior ainda, fazem desaparecer o desejo ao tamponar esse buraco. Saímos da concessionária preenchidos com um carnê de prestaçoes a pagar com mais trabalho que vamos ter que acumular e..desanimados, se, entender porque não ficamos tão felizes quanto às pessoas do Facebook!
Outro exemplo disso, é que certamente avançamos muito com a ciência na cura das doenças e praticamente dobramos a nossa expectativa de vida. No entanto, a ameaça que antes vinha do corpo, agora vem das ruas, da violência sem limites e da drogadição generalizada. 
Dai que Antonio Quinet vai dizer que capitalismo e tecnociência são as "Torres gêmeas" do mal-estar na civilização contemporânea.
A psicanálise surge como o avesso desse discurso. Ela esta advertida de que não gozamos plenamente porque é impossível ao ser falante preencher o furo. E nem seria desejável que o fizesse, pois seria o seu próprio desejo que se esvairia.
A expectativa de encontrar a "metade da laranja" invariavelmente fracassa, por que aquilo que encontramos no outro não é o pedaço que faltava para sermos completos.

Mas se sentir faltando um pedaço dói! O que vamos fazer então? Resignarmo-nos no sofrimento? E ainda sem a promessa de vida eterna? Me Funai, antes não ter nascido...máxima da tragédia grega?
Não é essa aposta da psicanálise. A aposta é que podemos encontrar uma forma de manter o buraco aberto e aprender a fazer algo com ele.. Um assobio, um poema, um amor...mas sabendo que nada pode, nem deve, completá-lo.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

CRASH – ESTRANHOS PRAZERES



Com uma palavra, o que esse filme provoca no espectador? Angústia? Medo? Excitação? Parece que Ballard e Cronenberg se reúnem em Crash para lidar exatamente com esse misto de excitação e angústia.

O filme é inspirado no livro homônimo escrito por J.G. Ballard. O escritor nasceu em 1930, em Xangai, China, onde seu pai era empresário. Depois do ataque a Peal Harbor, Ballard e sua família foram colocados em um campo de concentração para civis. Retornaram à Inglaterra em 1946. Ballard passou dois anos em Cambridge, estudando medicina e trabalhou como redator de propaganda e porteiro antes de ir para o Canadá, com a RAF - Republican Air Force. Em 1956, seu primeiro conto foi publicado e Ballard começou a trabalhar como editor de uma publicação científica, onde permaneceu até 1961.

O autor sabe que está escrevendo para uma sociedade datada, aquela do século XX. Na introdução ao livro ele diz:
“O casamento entre a razão e o pesadelo, que tem dominado o século 20, deu origem a um mundo que é cada vez mais ambíguo. Pelo cenário das comunicações movem-se os espectros de tecnologias sinistras e os sonhos que o dinheiro pode comprar. Sistemas de armas termonucleares e comerciais de bebidas coexistem em um ofuscante reino governado pela publicidade e pelos pseudo-eventos, pela ciência e pela pornografia. Nossas vidas são presididas pelos grandes e geminados leitmotifs do século 20 sexo e paranóia. (...) Assim como o passado, em termos sociais e psicológicos, tornou-se uma vítima de Hiroshima e da era nuclear (quase que por definição um período no qual somos todos forçados a pensar prospectivamente), o futuro também está deixando de existir, devorado por um presente que é todo voracidade. Anexamos o futuro ao nosso próprio presente, como mais uma simples alternativa entre as múltiplas que se abrem para nós. As opções multiplicam-se ao nosso redor, vivemos em um mundo quase infantil no qual qualquer demanda, qualquer possibilidade, seja por estilos de vida, viagens, papéis sexuais e identidades, pode ser instantaneamente satisfeita. Vivemos em um mundo governado por ficções de toda espécie o merchandising de massa, a publicidade, a política conduzida como um ramo da propaganda, a tradução instantânea da ciência e da tecnologia em imagens populares, a crescente mistura e interpenetração de identidades no reino dos bens de consumo, a apropriação pela televisão de qualquer resposta imaginativa livre ou original à experiência. Nossa vida é uma grande novela Para o escritor, em particular, torna-se cada vez menos necessário inventar o conteúdo fíccional de sua obra. A ficção já está aí. A tarefa do escritor é inventar a realidade. (...) Em Crash! utilizei o carro não apenas como uma imagem sexual mas como uma metáfora total para a vida do homem na sociedade atual. Como tal, o livro tem um papel político bastante distanciado do seu conteúdo sexual, mas eu ainda gostaria de pensar que Crash! é o primeiro romance pornográfico baseado na tecnologia. Em certo sentido, a pornografia é a mais política das formas de ficção, pois tenta mostrar como nos usamos e nos exploramos mutuamente, da maneira a mais insistente e implacável possível. Desnecessário dizer que o objetivo final de Crash! é admoestatório, é um aviso contra um mundo brutal, erótico e ofuscante, que nos acena, cada vez mais persuasivamente, das margens do cenário tecnológico.” (Crash! JG Ballard)

O Mundo de Crash é o de hoje, uma ficção científica não sobre o futuro, mas sobre o hoje.

Como o próprio autor coloca, trata-se de um mundo sem proibições, onde qualquer demanda parece poder ser satisfeita. E no entanto, nunca estivemos tão insatisfeitos! Talvez tão insatisfeitos quanto antes..mas desorientados. Pois se antes podíamos culpar um outro pela proibição (o lema de 68 já dizia: é proibido proibir!, o pai, os governos ditatoriais, a repressão social, o machismo)  hoje, quando tudo parece possível, não conseguimos entender porque permanecemos insatisfeitos, sem encontrar o gozo almejado: e ai você gozou?  talvez da próxima vez... é a frase que abre e fecha o filme sustentando uma promessa que, pelo visto, só pode se realizar na morte.

Crash também não é um filme sobre um outro estranho e psicopata que vive se esgueirando pelas esquinas a noite enquanto as pessoas de bem dormem tranquilas em suas casas. Crash é um filme sobre todos nós. Cronemberg sabe disso. Por isso criou um filme que prende nossa atenção. Quem nunca se deparou com um situação de horror mas que parece convidar ao olhar? A felicidade é que o diretor sabe fazer isso com arte. Os programas de televisão sensacionalistas como “Barra Pesada” também sabem disso. Só não tem a mesma capacidade artística de Cronenberg. Nossas fantasias, as fantasias dos neuróticos são perversas. É com isso que o filme joga. Por isso nos prende.

Estamos diante de um filme que fala sobre nós mesmos, aqui e agora.

Curiosamente, é um homem do século passado que vai nos ajudar a entender isso. Sigmund Freud inventou a psicanálise numa época em que a repressão social imperava. As histéricas insatisfeitas pareciam sofrer de falta de liberdade sexual. A cultura, a civilização, ao exigir a perda de alguma satisfação pulsional ocasionava o mal-estar. O homem seria guiado pelo princípio do prazer. Mas logo Freud se deparou com outra coisa. Se o homem se guia pelo princípio do prazer, o que é que explica a repetição daquilo que causa exatamente o desprazer?

Existe algo que se situa além do princípio do prazer que nos guia, foi o que Freud descobriu na experiência com veteranos de guerra, observando as brincadeiras infantis e, principalmente, na clínica sob o fenômeno da compulsão à repetição, que faz com que o sujeito repita uma situação traumática inconsciente. Apesar de conscientemente afirmarmos que queremos ser felizes, queremos nos livrar do sintoma, abandonar o sofrimento,  não é exatamente o “caminho do bem” (como cantava o mestre Tim Maia) que seguimos. Cada um repete, á sua maneira, algo que presentifica o horror, o insuportável, o traumático. 

No filme essa repetição nos leva a uma série interminável de acidentes, corpos despedaçados, carne dilacerada, fluidos e cavidades expostas... mas o que o diretor deixa entrever (e que Freud tão bem delimitou) é que há algo que se satisfaz nessa repetição. Não se trata mais de prazer nem tampouco de uma antítese do prazer, mas de algo que está além do prazer. Lacan nomeou de "gozo" a esse campo onde uma satisfação que não podemos reconhecer como tal está em jogo.


 As vezes é possível que a pessoa nem se dê conta dessa repetição. Ou até que a atribua à forças externas ou divinas como o “karma”, “destino”, etc. Mas ao endereçar-se a uma analista, isso vai ser tomado como algo que se dá na relação do sujeito com seu inconsciente. 

Não no sentido que comumente atribuímos a essa palavra. No senso comum e em algumas concepções psicológicas, alguém “traumatizado é alguém que foi vítima de maus-tratos, abusos, violência. Freud de inicio até se aproximou dessa concepção ao supor a teoria da sedução como causa da histeria. Mas como excelente clínico que era, logo se deu conta que não se tratava de algo vivenciado na realidade, mas de uma realidade psíquica.O que está em jogo é que, nós nos constituímos sujeitos a partir de um “trauma”.
Com Lacan vamos poder dizer que a “violência” em questão é aquela do encontro da linguagem com o real do corpo. Na vivência de suas pulsões perverso polimorfas, a criança vai se deparar com um gozo impossível de ser simbolizado, ao mesmo tempo em que, do lado do Outro (lugar de onde provém os significantes com os quais tentamos nos dizer) esse encontro corresponde a descoberta de um furo, da ausência de um significante que pudesse nomear esse gozo. A descoberta de que o Outro deseja e, ainda mais, que seu desejo é bastante enigmático para a criança.

Nesse sentido, somos todos “traumatizados”. Ainda bem! Porque apesar da angústia dessa descoberta, é ela que abre para nós a possibilidade de sairmos da completa alienação ao Outro e constituirmos a nós mesmos como desejantes, nesse mesmo lugar onde ao Outro falta algo. A fantasia vai ser uma tentativa de responder a isso, o sintoma também.

Então, voltando a Freud, o que ele nos diz é que nesse limite, onde não podemos simbolizar o que se passa, não conseguimos falar disso como algo que nos ocorreu, nós repetimos, atuando esse traumático nas nossas relações atuais, sempre que se trata de um investimento libidinal, de um encontro com o outro como objeto sexual. Como um disco arranhado ficamos dando voltas nesse “mesmo” tentando encontrar alguma forma de dizê-lo. Portanto, com ou sem proibição, o que está em jogo é que o sexual coloca em cena alguma coisa que fracassa. Estamos na dimensão do desejo, sempre desejo de outra coisa, porque o objeto que poderia satisfazê-lo é desde sempre perdido.

Nos dias de hoje temos uma forma bastante problemática de lidar com isso. É que o discurso capitalista apresenta esse objeto não como perdido, mas como ainda não encontrado. É a ciência que, ao se deparar com o real, com o impossível, nos diz que nós... ainda vamos descobrir a causa.. É o mercado que se utiliza da propaganda para dizer que, se você não está satisfeito é porque você ....ainda não comprou o último modelo.

O discurso capitalista não leva em consideração a castração. Como diz Ballard vivemos em um mundo que nos faz acreditar que qualquer demanda pode ser instantaneamente satisfeita. Mas isso é uma impostura desse discurso. Nós não podemos mais satisfazer instantaneamente nenhuma necessidade. Aliás, nem podemos mais falar em necessidade. Porque estamos inseridos no campo da linguagem e precisamos dela pra nos relacionarmos com o mundo. Daí que, como ela não pode dizer tudo, há sempre uma perda incluída na equação, há sempre um fracasso em jogo. Esse fracasso é também o motor da repetição, encontro programado com o real impossível de simbolizar que retorna sempre ao mesmo lugar.

Em crash esse fracasso nos é apresentado de saída pela relação de Ballard e Catherine. Eles são um casal de meia idade com uma relação já desgastada, que tentam recuperar a excitação através de jogos sexuais. Eles transam com outras pessoas, desconhecidos (que também não os satisfazem) mas usam o conteúdo erótico dessas escapadas como motor da relação. Uma relação sustentada numa promessa de gozar mais.. não agora, mais um dia...da próxima vez...

No livro, Ballard diz:

“Há anos que eu era capaz de adivinhar os casos de Catherine, quase que poucas horas depois de seu primeiro encontro sexual, simplesmente percebendo qualquer nova disposição física ou mental - um súbito interesse em algum vinho de terceira classe, uma postura diferente em relação à política da aviação civil. Muitas vezes eu podia descobrir o nome do seu último amante bem antes que ela o revelasse no clímax de nossos atos sexuais. Este jogo provocante nós precisávamos jogar. Deitados na cama, nós elaborávamos um encontro amoroso completo, desde o primeiro bate-papo em uma festa numa companhia aérea até o próprio ato sexual. O clímax desses jogos era o nome do parceiro ilícito. Retido até o último instante, ele sempre produzia os mais intensos orgasmos em nós dois. Muitas vezes eu sentia que esses casos aconteciam meramente para proporcionar a matéria-prima de nossos jogos sexuais. Essas buscas, entretanto, começaram a tornar todos os nossos relacionamentos, entre nós mesmos e com outras pessoas, cada vez mais abstratos. Logo ela se tornou incapaz de alcançar um orgasmo sem a fantasia elaborada de um ato sexual lésbico com Karen, com seu clitóris sendo lambido, mamilos tocados e ânus acariciado. Essas descrições pareciam ser uma linguagem em busca de objetos ou até mesmo, talvez, o início de uma nova sexualidade divorciada de qualquer expressão física possível.” (Crash! JG Ballard)

O preço a pagar, expulso pela porta da frente com a liberação sexual máxima: transar com todos que tiver vontade, experimentar os orgasmos mais incríveis -  retorna pela porta dos fundos sob a forma da criação de uma sexualidade divorciada de qualquer expressão física possível. Uma sexualidade divorciada do corpo! Abstrata! 

Uma primeira consideração é: porque divorciada do corpo? por que o corpo implica em castração. O encontro sexual é um encontro entre corpos, e esses são submetidos a castração. Não só a mulher por conta da ausência de pênis. O que está em jogo não é o pênis, é o falo. E o falo seria um órgão potente e ereto o tempo todo. Mas a detumescência faz parte do ato sexual. O orgasmo é uma pequena morte que exige incorporar de alguma forma a perda. O fim. Mas por outro lado, só se pode gozar com o corpo. Adélia Prado diz isso da forma que só os poetas conseguem:
“Sem o corpo a alma de um homem não goza.
Por isto Cristo sofreu no corpo a sua paixão,
adoro Cristo na Cruz.
Meu desejo é atômico, 
minha unha é como meu sexo, meu pé te deseja,
 meu nariz, meu espírito – que é o alento de Deus em mim – te deseja
pra fazer não sei o quê com você.” (A Terceira Via – Adelia Prado)


Portanto, é preciso colocar o corpo na jogada para poder gozar. A retirada do corpo leva a uma amplificação da excitação, a um material que vai servir de conteúdo para os jogos eróticos entre Ballard e Catherine, cuja consequência é exatamente não levar a satisfação alguma. A inclusão do limite do corpo, por outro lado, abre espaço para um acesso ao gozo que é solidário da lei. Uma parcela de gozo.

Além disso, por não estar submetido aos limites da castração, essa busca por um mais-além leva até as últimas consequências. E, como Crash deixa muito bem entrever, a consequência ultima é a morte. O casal descobre isso no encontro com Vauhgn.
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Certamente não se trata de diagnosticar personagens, mas poderíamos aproximar Vauhgn do que seria a posição perversa. Encontramos a fixidez de um gozo que busca dividir o outro, busca a angústia no outro. Pode até parecer que o perverso goza mais que o neurótico, já que está sempre desconhecendo os limites. Mas, pelo contrário, sua vida sexual limita-se a uma forma monótona e repetitiva. O livro de Ballard começa com a morte de Vaughn. E sobre esta o autor nos diz:

“Esta primeira morte, entretanto, parecia tímida quando comparada com outras nas quais Vaughan tomara parte e com aquelas imaginárias que povoavam sua mente. Tentando esgotar-se, Vaughan concebera um almanaque aterrorizador de desastres automobilísticos imaginários com ferimentos insanos - os pulmões de homens idosos perfurados pelas maçanetas das portas, os tórax de jovens mulheres impalados pela coluna do volante, as faces de belos adolescentes rasgadas pelos aros de cromo dos faróis. Essas feridas eram, para ele, as chaves de uma nova sexualidade nascida de uma tecnologia perversa. Essas imagens pairavam na galeria de sua mente como as peças em exibição no museu de um matadouro.”

A morte encarna a figura última da castração. Frente a ela tanto o neurótico quanto o perverso estão em dificuldades. No entanto, enquanto o neurótico recalca a castração e constrói a fantasia como forma de velá-la, o perverso a desmente e se oferece como  objeto que responderia pelo gozo do outro, encenando aquilo que ele considera responder pelo gozo do outro. A encenação do acidente de James Dean e a própria cena da morte de Vauhgn podem ser tomados nesse sentido.  
Quanto a Ballard, me parece que sua posição é muito mais a de um querer saber sobre a morte.
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É a figura do homem morto, que atravessou o para-brisa e caiu sobre seu banco, que o fascina. Será uma pergunta sobre si mesmo? Estou vivo ou estou morto? Será a crença de que alguém pode deter um saber sobre a morte? De qualquer forma, o fato mesmo de se perguntar sobre a morte já aponta para sua posição de sujeito dividido. “Minha primeira e breve viagem ao local do acidente despertara novamente o espectro do homem morto e, mais importante, a percepção da minha própria morte.” O próprio fascínio que ele desenvolve pela viúva aponta para essa questão com a morte que está sempre espreitando o obsessivo.
Que outra saída seria possível então frente ao imperativo superegoico que diz ao sujeito “Goza”? A psicanálise propõe um caminho que vai a partir do aparelhamento desse gozo com a linguagem, levar o sujeito a poder incluir a castração como motor do desejo. Como afirma Lacan, não há desejo sem lei. Aliás, é porque a lei existe que desejamos. A proposta não é a de uma resignação frente a castração. Mas que, ao cernir os limites de seu próprio desejo, o sujeito não precise mais devotar a vida ao Outro, seja para velar ou negar sua castração. 

“Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.

Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.
.....
Toda palavra é crueldade”
(Fala, Orides Fontela)


Encontremos então a palavra impiedosa que possa nomear nossa própria crueldade, advertidos, no entanto, de que nem tudo poderá ser dito!



[1] Texto apresentado na discussão do filme de mesmo título, promovida pelo Centro Acadêmico do Curso de Psicologia da Universidade Estadual do Ceará, na atividade "CINETERAPIA" em 26/04/2013