segunda-feira, 23 de setembro de 2019

80 anos da morte de Freud







A história é repleta de grandes nomes que contribuíram para o progresso da civilização: conquistadores, inventores, filósofos, políticos, artistas, cada um transformando de sua maneira a aventura humana na terra.
Mas, se todos esses contribuíram para o progresso, apenas um deles deixou como legado uma invenção capaz de desvendar ao homem o seu avesso, a “outra cena” que o verniz civilizatório insiste em não querer saber, mas que retorna como o mais íntimo de cada um.
Sigmund Freud legou-nos a psicanálise, e com ela uma possibilidade de tratamento do mal-estar correlativo a existência em civilização. Em meio ao assombroso avanço científico do final do século XIX, ousou falar daquilo que resistia, e ainda resiste, a ser processado no maquinário do progresso. Correu o risco de falar e escutar aquilo que se atravessa no meio do caminho impedindo que a raça humana avance desenfreada rumo a um futuro distópico alimentado pelo sonho de imortalidade. Mais ainda, arriscou-se a sustentar um discurso para o qual a consciência da transitoriedade é, na verdade, aquilo que faz com que a vida valha a pena ser vivida com entusiasmo. Pois se tudo perece, tudo acaba, é por isso mesmo que se torna mais raro e singular a experiência. Ele ousou falar de limite, de fim e de castração para um mundo que quer cada vez menos saber de tudo isso. Freud não chegou a conhecer o capitalismo globalizado atual, mas o que ele produziu nunca foi tão necessário.
Até aqui, não me refiro ao homem Freud que, vira e mexe, volta às capas de revista acusado disso e daquilo. Refiro-me ao discurso que ele fez germinar de sua própria experiência e que se dissemina até hoje pelo contágio da peste. Acho que isso ultrapassa sua biografia e faz de seu nome uma marca que funciona como divisor na história da humanidade.
Mas hoje, 23 de setembro de 2019, data que marca 80 anos de sua morte, quero deixar expresso meu agradecimento por ele ter existido e por ter sustentado seu desejo, pois, sem isso, não teria havido a psicanálise. Meu agradecimento, também, por por ela ter persistido viva ao longo desses anos todos, contagiando tantos outros analistas. E por, nessa cadeia de homens e mulheres que ousaram querer saber do seu desejo, ter chegado com sua lâmina cortante até mim, e me dado a oportunidade de de-siderare, romper com a sideração do destino que estava escrito. Por fim, por poder sustentar essa experiência para os que hoje procuram também querer saber e reescrever suas histórias. Por tudo isso, muito obrigada, Freud!
Lia Silveira